segunda-feira, julho 31, 2006

O doce servo do senhor...

As histórias clichês de novela e romances meia boca de bancas gostam muito de começar do modo que farei agora: Era uma manhã ensolarda. Ótimo, mas além de ser uma manhã ensolarada, é necessário dizer que era manhã de quinta, lá pelas onze horas. Nesta manhã ensolarada o personagem saiu de casa disposto a pegar um ônibus que o levasse até a biblioteca pública no centro da cidade. Poderia-se dizer que estava até feliz, não fossem certas rugas de preocupação que lhe nublavam a face - tá, ficou forçado.

O personagem toma seu ônibus então, acompanhado do resto dos passageiros que enchem o coletivo. A certa altura do caminho, entra uma figura muito conhecida dos apanhadores de ônibus de grandes cidades: o vendedor de doces. Como de hábito, o sujeito declama sua costumeira ladainha mal improvisada, a qual quase não é ouvida pelo personagem, tão absorto estava ele em seus pensamentos. Também o personagem não se apercebe do mesmo começar a caminhar pelo corredor do ônibus, oferecendo seu produto.

Então que algo diferente se dá - como nas histórias clichês.

Não, não era ele um simples vendedor de doces, mas um "trabalhador do senhor". Revestido de uma fé inquebrantável e, até poucos segundos atrás, muito bem escondida, começa a declamar a Palavra.

Uma grande palavra é verdade - em verdade em verdade vos digo, bem longa. Louvando o curso superior que alguns certamente teriam ali dentro emenda quase sem nenhum conectivo para uma citação bíblica e dela para sua própria experiência de vida. Esta compõe-se de muitos anos de "álcool, drogas e vida de crimes" até a mais triste degradação moral. Até que ele encontra, enfim, o senhor!

Ante a tudo isso o persongem começa a olhar furtivamente para as outras pessoas. O que estariam elas pensando do pregador do meio dia? Estavam gostando? Estavam aborrecidas? Será que alguém tinha vontade de jogar o pobre coitado pela janela do ônibus? Não sabia...

O personagem tinha esperança de que no próximo ponto o homem das balas santas desceria. Afinal, tinha que vender as balas e não fazer discurso o dia todo. Para sua surpresa e agonia ele não descia, emendando citações e mais citações numa cadeia já completamente incompreensível. O ônibus estava no centro há um bom tempo sob as bênçãos de "minha vida era só droga antes de encontrar o senhor". Já a maioria dos ocupantes havia descido, embora muitos continuassem ouvido a pregação desde o início do caminho.

Estava começando a se configurar para o personagem cenas terríveis para o final daquela viagem. O xingamento de um passageiro, do cobrador. Poderiam chamar a polícia e retirá-lo à força, conquanto ele parecece colado ao assoalho. Quem sabe tudo isso ao mesmo tempo! Uma boa confusão a temperar o início do almoço. O personagem começava a temer pelo pobre. Pensou várias vezes chegar perto dele e chamar-lhe a atenção, de mansinho. Mas ele também não era do tipo que gostava de conversar, muito menos com pregadores. Continuou olhando para a janela, para uma moça bonita que acabara de saltar.

Perto do ponto do personagem, o ônibus mesmo parecia ter encontrado seu destino, posto que o motor fora desligado e a cobradora saíra. Já não havia muito o que fazer e não era possível esperar o desenrolar dos acontecimentos. O personagem tinha mais o que fazer, é verdade. Desce para a rua imaginando o que poderia estar ocorrendo naquele exato momento.

Perto da biblioteca se divertia ao imaginar homens fardados carregando alguém que bradava ao mundo todo sua fé no senhor...

3 comentários:

. disse...

Eu adoro quando eles entram.
Ei moço, me vê uma Ice Kiss de melão?
rs

Gabriela Martins disse...

Fosse eu tinha perguntado:

- Se eu comprar um drops vc cala a boca até eu descer?

Gabriela Martins disse...

A cena dos policiais carregando o vendedor de bala á força iria ser engraçadíssima (ainda mais se jogassem o cara pra fora do ônibus com caixote de bala e tudo).