quinta-feira, maio 17, 2007

Crônica de um Ladrão de Almas - Capítulo 3

Quando você pensa que está se encaminhando para um bom início de história, eis que aparecem lugares até antes esquecidos do narrador. Pois ainda há muitas vidas a se tratar e o tempo para isso muito pouco...

Portanto vamos logo para uma rua escura no meio de uma noite dessas que pessoa alguma gosta de lembrar. O cenário pode parecer daqueles que fazem a alegria dos adoradores dos filmes de suspense clichê ou de outros não tão adoradores assim, mas que apreciam uma diversão comum. Ambos bons tipos de pessoas, honestas, com seus empregos, ordenados e rotinas. Vão a um cinema numa noite calma e escura, imaginando esquecer um pouco de suas vidas tranqüilas durante as duas horas e pouco de projeção. Provavelmente vão acompanhados, mas isso não importa agora. Não mais.

O fato é que nesta mesma noite escura e clichê, pessoas as quais os nomes são irrelevantes fizeram com que a rua, as pedras da rua, os tijolos das construções e o cinema em si, juntamente com todas as pessoas que lá dentro estavam, voassem pelos ares na maior explosão que aquela cidade já havia presenciado.

A localização de tal cidade também não importa, uma vez que todos já a conhecem pelas imagens da televisão. Os destroços das construções e das pessoas do bairro onde havia o cinema circularam o mundo poucos minutos depois do estrondo. Junto com ela o nome Meníacles, repetido como uma espécie de oração, um mantra negro o qual apenas dizia das desgraças explosivas que vêm acontecendo há alguns anos. Os apresentadores dos telejornais da noite o repetem com a mesma devoção que um padre em sua missa. Fazem lembrar de outras tristezas que tal nome tempos atrás havia produzido, estourando imagens de sangue e queimaduras passadas, guardadas para um momento esperado como este.

Diante de um dos milhões de aparelhos de televisão a transmitirem os choros dos sobreviventes e os lamentos dos repórteres e políticos está Antônio Costa. Afinal conseguira chegar em casa, apesar do sono pesadíssimo que lhe acompanhou a viagem toda. Entrou e não havia irmão nem ninguém em casa. Sem ânimo ou fome para comer qualquer coisa foi à cozinha extrair uma caixa de leite da geladeira e um pó achocolatado da despensa para enfim desabar na poltrona e ligar a televisão.

Não tinha muita idéia de porque toda aquela gente estava tão emocionada. O sono toldara-lhe o entendimento. Simplesmente assistia à infinidade de entrevistas, imagens e fotos como se fizessem parte de algo fora do mundo. Percebia que falavam do tal Meníacles como uma espécie de demônio que veio levar a humanidade ao caos. Uma criatura que não se sabe ao certo qual seria o rosto, quando o comum para os profissionais do medo seria mostrá-lo sempre a fim de insuflar mais medo por sua imagem terrível. Também não se sabia seu nome, posto que aquele fora dado por um jornalista depois de um ato parecido ocorrido num centro de compras grego. A razão de tal nome escolhido em detrimento de tantos também jamais foi esclarecida, o jornalista que o dera desapareceu misteriosamente semanas depois de escrevê-lo no jornal em que trabalhava. Isso ajudou a fazer com que o nome dado se espalhasse rapidamente e cristalizasse a sutil crença de que foi a tentativa de nomear o demônio que fez com que o pobre homem desaparecesse.

Contudo, essas filigranas religiosas e profissionais passam muito ao largo de Antônio, já completamente imerso em sono invencível.

Daqui a pouco seu irmão chegará do bar onde esteve com a noiva e mais um grupo de amigos, retirará Antônio da poltrona e ambos irão para seus quartos dormir. Nenhum dos dois se importará com o conteúdo do telejornal da noite quando acordarem.

Sim, ninguém se importa. Quando as imagens de morte pararam, bem depois de Antônio adormecer, substituíram-nas por moças alegres numa tarde de sol em algum canto do mundo. Era o primeiro dia de sol depois do mais longo dos invernos naquela região aonde temperaturas polares chegaram a ser registradas. As moças estavam alegres. Pararam sua brincadeira ao sol fraco do início daquele verão apenas para conversar com o repórter. Ele também esperando o momento em que pudesse largar o fardo de sua profissão para ficar sob aquele sol, talvez até ao lado daquelas moças...

Repórteres em si são pessoas esperançosas. Dormem e acordam imaginando sua grande virada, a história que os levarão aos píncaros da glória de sua profissão, ou pelo menos a um ordenado maior. Sempre esperam algo. É do seu trabalho. Não podem criar nada, não podem dizer “ali está” sem que esteja realmente. Nisto reside sua maior angústia.

Por isso trocaram as imagens de morte pelas de alegria. Não sabiam mais como lidar com algo acabado de ser criado ali mesmo, bem na frente deles. Algo que nunca poderiam fazer pois a criação está fora de sua alçada. As imagens de sol e moças felizes são mais fáceis de serem controladas posto que se repetem de ano a ano naquele país que mal conhece o calor. Em verdade não há criatura mais infeliz que eles, pois são os únicos condenados a viver inteiramente no mundo e do mundo, sob pena de perderem toda a personalidade. Todo repórter é um poeta que não pode sonhar.

Mas deixemos suas angústias aqui por enquanto. Muito ainda irá se tratar deles no decorrer disto, e é preciso que os personagens apareçam e digam logo a suas falas para que ninguém se sinta entediado por resolver acompanhar esta história.

Um comentário:

. disse...

Passei pra dar um OI já que o senhor nunca visita o meu blog né?