Eduardo Ribeiro (do site comunique-se)
Um grupo de amigos viveu na última semana, em São Paulo, uma experiência dolorosa, dessas que provocam uma imensa catarse, seguida de uma ferida de difícil cicatrização. Além de um profundo processo de reflexão sobre o próprio futuro.
Fomos encontrar, como morador de rua, um profissional de estirpe, de carreira brilhante, que nos mais de 30 anos de atividade, foi repórter, editor e chefe de publicações como Gazeta Mercantil, DCI, IstoÉ, O Globo, Folha de S.Paulo e TV Record. Mais interessante: foi um dos primeiros jornalistas brasileiros especializados na nobre editoria de finanças.
Sem dinheiro, sem trabalho, sem roupa, sem moradia, relegado pelo pequeno núcleo familiar, com a auto-estima abalada e, o que é pior, sem esperança e sem opções, encontrou abrigo nas ruas da cidade e também nos albergues da Prefeitura de São Paulo, com direito a pouso (era obrigado a acordar e sair às 5h da manhã), banho (muito rápido, porque havia fila de espera), um prato de comida (aí a concorrência às vezes ajudava, porque permitia escolher entre a comida pública e aquela oferecida por ONGs e outras entidades assistenciais) e alguma assistência médica.
Como companhia, vagabundos diversos, criminosos de todos os tipos (inclusive os de alta periculosidade), deficientes físicos e mentais e (acreditem se quiser) alguns outros profissionais diplomados, como médicos, advogados e pelo menos mais dois jornalistas.
No sábado, num encontro que com ele estivemos, eu, Nelson Blecher, diretor de Redação de Época Negócios, e Fernando Porto, repórter do Diário do Comércio, que já há algumas semanas é a ponte entre ele e o mundo civilizado, numa tentativa de evitar o pior. Foi na Praça da Sé, no Centro Cultural da Caixa Econômica. Ali nosso colega recobrou parte das esperanças, não sem antes se emocionar, chorar, tossir (seqüela de uma pneumonia que insiste em não abandoná-lo, apesar de medicado, como ele disse estar) e contar algumas histórias de sua perambulação pelo mundo da miséria, dos desvalidos, daqueles que encontraram a rua como moradia e os anônimos como família.
Rubens, sim o primeiro nome me arrisco a revelar, mas vou manter nosso personagem no anonimato para preservá-lo, sobretudo porque estamos apostando na sua reintrodução no mundo do trabalho e de uma vida digna, contou que a vida (por culpa dele próprio) foi lhe fechando os caminhos, até empurrá-lo para esse beco praticamente sem saída.
Ele também um boca de rango, como são chamados os moradores de rua que disputam as refeições gratuitas oferecidas na cidade, contou ter dia em que a espera por um prato de comida, chegava a três horas.
“A indústria da miséria é muito poderosa” contou ele para nós, dizendo ser a igreja uma das grandes beneficiárias de recursos da Prefeitura. E como bom jornalista investigativo, apontou dúvidas e questionamentos em relação ao uso desses recursos, por conseguir enxergar nas ruas coisas que os homens da civilização não conseguem ver.
“Sofremos muita humilhação. Muita mesmo. Outro dia fui pedir um copo de água de torneira num bar e o balconista me falou, na lata: ‘água de torneira não se pode pedir aqui sentado no balcão, não; espera lá na porta da rua’. Você não sabe o que fazer; a vontade é de desaparecer”.
Dinheiro fácil? Também tem. Não é muito, mas tem. O “programa câmbio” dá a quem tem o CPF limpo, sem pendengas financeiras, R$ 15. Isso mesmo, R$ 15 limpinhos. É só ir lá, nas escadarias da Praça Ramos de Azevedo, ao lado do Teatro Municipal, a qualquer hora do dia (incrível isso) e assinar uns papéis. Sabem o que são esses papéis? Aquisição fictícia de dólar para lavar dinheiro sujo - coisa de U$ 5 mil por CPF. Uma desfaçatez, um crime que a polícia finge não ver e que faz a alegria de traficantes e outros criminosos, que se valem da miséria para mostrar que nesse país muitas vezes o crime compensa.
São histórias que Rubens está vivendo na pele, não por opção, mas por falta de, já há dois meses. Ele já vinha cambaleante havia um ano, desde que teve de deixar a casa em que morava de favor, da única irmã que tem, numa cidade do interior, próxima de São Paulo. Desde então não mais se acertou. Agüentou o quanto pôde, com um ou outro frila, morando em pensões, até que tudo nem isso deu mais.
Família? Desde que se separou de sua mulher, também jornalista, quase 30 anos atrás, perdeu contato completamente, inclusive com o filho, então recém-nascido, que nunca mais encontrou na vida. A única coisa que sabe é que o menino tem hoje 28 anos, é advogado e mora em São Paulo.
Com algum dinheiro nas mãos, para uma ação de emergência, e uma enorme esperança no coração, ele se despediu de nós voltando a acreditar que voltaria a ter melhores dias pela frente. Nós também saímos confiantes num desfecho positivo, até porque a solidariedade de vários outros colegas foi fantástica.
Ainda é cedo para saber se tudo sairá como o esperado, mas ele já deixou o albergue, passou alguns dias num hotel simples (um cinco estrelas se comparado ao albergue da prefeitura), com direito a tevê e bife a milaneza, e hoje está morando numa pensão bancada pelo Sindicato dos Jornalistas, que, acionado, não se furtou a acolhê-lo e a dar apoio, assim como também fizeram vários dos amigos que ele fez ao longo dos anos em que freqüentou as respeitadas redações.
O primeiro passo foi dado e agora já há garantia de alguns trabalhos para ele, de modo a que possa entrar novamente em ritmo de jogo e quem sabe voltar a brilhar. Tem apenas 57 anos e pode, portanto, ter ainda muitos anos produtivos pela frente.
Esse grupo de amigos, que tem também como um dos pilares Lino Rodrigues, além de se empenhar na questão material, financeira e de trabalho, tenta agora o que seria o passo decisivo e mais importante: reaproximá-lo da família. Se os céus e os anjos estiverem ao lado de todos nós, haverá de dar certo.
Nós é que nunca mais seremos os mesmos depois dessa experiência que mexeu com os mais nobres de nossos sentimentos.
Fica a lição de que o jornalismo, como várias das profissões estressantes, pode levar alguns de seus representantes para a beira do abismo. Temos de pensar seriamente nisso para quem sabe construir uma rede de proteção como acontece em algumas outras atividades, caso dos artistas, por exemplo, que tem conseguido dar abrigo e dignidade àqueles, que já sem forças e condições, querem apenas ter uma velhice digna.
Um tapa na cara de quem se julga acima do bem e do mal, dono da verdade e paladino da justiça, da moralidade e dessas que certamente não desejamos para nosso pior inimigo, mas que traz ensinamentos importantes para quem, como nós, abraçou esta difícil e fascinante atividade como ofício.
A partir de e-mails trocados entre dois colegas, pudemos constatar que um deles tinha chegado ao fundo do poço, perdendo inclusive o mais valioso dos bens, a vontade de viver.
Foi um choque. Como seria possível um profissional renomado, que fez uma brilhante carreira nos anos 70, 80 e 90, com passagens por nada menos que O Globo, Folha de S.Paulo, IstoÉ, Gazeta Mercantil, DCI e TV Record, sempre em cargos de alguma relevância, chegar àquela situação, sem família, sem emprego, sem dinheiro, sem casa, sem roupa, sem auto-estima e, pior de tudo, sem esperança?
(*) É jornalista profissional formado pela Fundação Armando Álvares Penteado e co-autor de inúmeros projetos editoriais focados no jornalismo e na comunicação corporativa, entre eles o livro-guia "Fontes de Informação" e o livro "Jornalistas Brasileiros - Quem é quem no Jornalismo de Economia". Integra o Conselho Fiscal da Abracom - Associação Brasileira das Agências de Comunicação e é também colunista do jornal Unidade, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, além de dirigir e editar o informativo Jornalistas&Cia, da M&A Editora. É também diretor da Mega Brasil Comunicação, empresa responsável pela organização do Congresso Brasileiro de Jornalismo Empresarial, Assessoria de Imprensa e Relações Públicas.
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Depois ainda me perguntam por que eu passei a viver à base de anti-depressivos e colado à livros e videogames. Simplesmente sinto-me um lixo por ter feito jornalismo e tudo que mais quero na vida é esquecer que fiz esse curso maldito, que perambulei pela rua atrás de emprego pra nada, que aturei professores arrogantes e estúpidos pra simplesmente ter um título de curso superior que não me vale coisa alguma. Tudo isso me enche de uma raiva que niguém consegue imaginar.
Mas tudo bem. Daqui pra frente vou me esforçar na arte de encher a burra de dinheiro e, quem sabe, comprar uma rádio só pra mim. Ou uma TV, caso a legislação do futuro permita isso a mais gente que simplesmente safados e políticos corruptos...
E sim, por incrivel que pareça, ainda tenho orgulho de dizer que sou jornalista formado e com registro profissional e tudo. Devo ser doido mesmo...
Um comentário:
Desculpe. Se quiser rejeitar o comentário sinta-se à vontade. Mas perplexo diante do lido, só consigo expressar: "Caralho..."
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