Nem havia chegado ao meio da manhã e ele estava lá, na televisão. Vestia uma camisa social de impávido branco, ostentando um relógio dourado de proporções titânicas no pulso direito – sim, trata-se de um vendedor canhoto – e um anel igualmente colossal no anelar esquerdo. E gesticulava... Como gesticulava!... Parecia um desses afogados tentando desesperadamente voltar à tona tal o modo como ele balançava os braços, tomando toda a tela. Chegava mesmo a gritar, compre! Compre tudo que puder, o que estamos oferecendo! Pois sou um vendedor e é esse o nosso ofício!... Duro ofício deve ser o de fazer os outros gastarem o que não querem... Por isso o homem de impecável branco, cabelos castanhos meticulosamente penteados e acessórios mais brilhantes que o sol gesticula, grita, ri. Só não chora pois não convém ao vendedor chorar, a não ser para usar da compaixão do comprador. O que não é o caso deste vendedor. Ele não quer usar de artifício tão baixo e vil. Prefere a alegria, pois sempre disseram por aí que a alegria é a melhor vendedora que há. E quem é ele para discordar da voz da maioria, ele que vive dela o tempo todo, fazendo-a sonhar com mundos dentro de caixas de papelão?
A manhã vai passando e, incansável, continua ele a apregoar seus produtos. Talvez nem saiba mesmo do que está falando. Muitas vezes não o sabe. Leia o que está no papel que está mais do que bom, dizem pra ele. Lê. Chega até a entusiasmar-se com o que lê. Imagina o tipo de utilidade que tal invento ou aparelho novo pode ter para o consumidor. Pode ser até um belo serviço público o que faz! Ora, um homem faz o que sabe! E se ele sabe vender, por quê não pensar no bem que uma nova batedeira pode trazer? No fundo sou um benfeitor!, diz a si próprio no espelho do banheiro durante os intervalos, batendo no peito com orgulho. Sim, o vendedor tem pendor para o drama, o patético. Muito provavelmente foi um ator mal aproveitado no teatro e na televisão por não ser tão jovem ou tão bonito como deveria ser ou por ambos. Pensando assim, nem mesmo poderia vender nada... Porém, um jogo incrível do destino o colocou na frente de uma câmera. Um jogo o qual nem vale a pena discorrer aqui posto ser complicado, longo e fastidioso demais.
O programa já está quase no fim e o vendedor ainda exibe energia e frescor como se pudesse continuar ali por todo o dia. Em verdade terá que voltar mais à tarde, à hora na qual quase todos já estão em suas casas, cansados e prontos para ouvir suas prédicas. Compre, compre, compre! Seu grito alegre ecoando por todos os cantos do país. Hipnotizando todos os televisores do país. O vendedor é a própria alma dos outros, traduzida em luzes e números de cartão de crédito.
Por fim, quando não há mais nada para vender os televisores e telefones são desligados. O vendedor, que durante quase todo o dia berrou alegremente seu bordão, volta ao espelho do banheiro dizer novamente Sou um benfeitor! para sua sorridente e cansada imagem do outro lado. Lava o rosto, ajeita os cabelos levemente despenteados e vai embora da emissora, que parece até perder um pouco o brilho depois de sua partida...
Um comentário:
Maicou, seu observador irônico do cotidiano! Olha, velho, o texto tá muito bom. Esse vendedor aí me lembrou um cara que vende uma filmadora fajuta, acho que na RedeTV, que fala que "somente R$3,99 por dia!", algo assim.
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